LOUVRE MOSTRA COMO ACADéMICOS TRABALHARAM EM CONJUNTO PARA CRIAR OS JOGOS OLíMPICOS MODERNOS

Os Jogos Olímpicos em Paris preparam-se a todo o vapor na capital francesa. No entanto, Paris não quer que se trate de um evento meramente desportivo e toda a cidade está mobilizada à volta desta competição. Assim, o Museu do Louvre, maior museu do Mundo, não escapa a esta febre dos Jogos Olímpicos, organizando a exposição "L'Olympisme, une invention moderne, un heritage antique" ou o Olimpismo, uma invenção moderna, uma herança antiga, que vai estar patente até dia 16 de Setembro.

Esta exposição mostra como no final do século XIX, arquéologos, historiadores e políticos de várias nações, mas especialmente em França e na Grécia, se uniram para criar os Jogos Olímpicos modernos, como nos explicou Christina Mitsopoulou, arqueóloga e comissária desta exposição no Louvre.

"A ideia de reactivar os Jogos Olímpicos foi o resultado de um período, nos anos 1880 e 90, que coincidiu com o período das grandes escavações arqueológicas na Grécia. Foi um período em que se descobriram grandes complexos arqueológicos - a Acrópole de Atenas, Olímpia, Delfos, Maratona, etc. Assim, esta dinâmica arqueológica enriqueceu os conhecimentos precisos que tínhamos sobre a Antiguidade, que entraram em contacto com os textos que há muito tínhamos sobre o mundo antigo, mas que agora se concretizavam graças às descobertas arqueológicas. Assim, quando um grupo de pessoas teve a ideia de recriar os Jogos Olímpicos de Atenas em 1896, foi de facto uma oportunidade de mostrar ao mundo a realidade do desporto antigo, mas reinterpretada de acordo com as necessidades e os conhecimentos adquiridos na altura, que nem sempre foram plenamente realizados", afirmou.

A realização dos primeiros jogos moderno em 1896 não foi uma tarefa fácil e mobilizou várias figuras de grande relevância internacional, incluindo Pierre de Coubertin, um historiador e pedagogo francês que se batia pela reforma do sistema de educação em França e que queria que o desporto, fonte de higiene de vida, estivesse mais presente na vida dos cidadãos.

"A realização dos Jogos Olímpicos modernos foi uma história muito longa, porque Pierre de Coubertin tinha, de facto, começado muito cedo a trabalhar no seu ideal de integrar o desporto na vida dos cidadãos do seu tempo. Já na década de 1870, esta era uma ideia na qual pensava. Foi necessário um enorme esforço e o aproveitamento de todas as suas ligações sociais para chegar finalmente a Paris, em 1894, com este enorme anfiteatro cheio de pessoas convencidas da importância desta causa. Foi sobretudo através do pacifismo que este grupo se uniu à volta do desporto. Mas a ideia de início nem era fazer os Jogos em Atenas. Essa ideia só surgiu durante o congresso de Paris ao ouvir o hino de Apolo, que tinha sido descoberto dois anos antes pelos franceses em Delfos. Aí pensou-se: Seria ótimo organizar os Jogos Olímpicos em Atenas. Só mais tarde é que Pierre de Coubertin visitou a Grécia para explicar aos gregos o que deviam organizar, e era bastante complicado. Ele próprio não pensou logo nas modalidade e tudo que se devia fazer para recriar os Jogos, isso só aconteceu mais tarde, à volta dos Jogos Olímpicos de Atenas, que tiveram lugar na Grécia", disse a comissária.

Assim, logo depois do Congresso de 1984 começaram os esforços para a realização dos Jogos daí a dois anos. No entanto, muitos desportos da antiguidade como o lançamento do disco não eram praticados desde as últimas Olímpiadas que tinham aconteciado no ano 393 d.C. com o Imperador romano Teodósio a ter banido completamente os Jogos no ano seguinte. Coube então aos historiadores e arqueólogos de estudar como se praticavam estas modalidades através da observação de taças de barro da antiguidade e frisos gregos e romanos.

"Tínhamo-nos esquecido completamente de como se lançava um disco, ou como se lutava antigamente. Assim, de facto, foram os arqueólogos e os historiadores que leram os textos e os arqueólogos que olharam para as imagens de obras antigas, esculturas, moedas ou vasos figurativos, ou outros relevos, para observar os gestos e os movimentos dos atletas antigos. Claro que existem centenas de imagens e, a partir dessas imagens, começaram a fazer-se experiências. E é precisamente essa parte da exposição sobre arqueologia experimental que é tratada por Alexandre Arnoux, especialista nestes temas da história grega. E assim começaram, com a ajuda da fotografia e do cinema, a observar o movimento do corpo humano, a tentar obter resultados atléticos de acordo com as imagens antigas e, pouco a pouco, a corrigir e a adaptar os movimentos para que pudessem realmente obter resultados interessantes nas diversas modalidades", explicou a arqueóloga.

No entanto, nem todas experiências foram bem sucedidas:

"Há uma história que me comove. Um grego copiou o disco através das imagens que existiam e criou uma certa euforia à volta deste objecto. No entanto, enquanto fabricava um disco, feriu-se no peito e morreu devido aos ferimentos. Por isso, é uma história muito comovente que mostra bem o investimento pessoal que houve em tudo isto", lembrou.

Através de vestígios arqueológicos, peças de cerâmica, mitos e literatura os intelectuais do século XIX reconstituíram assim um evento que se aproximava das Olímpiadas do passado. Uma aproximação entre cultura, academia e desporto que está mesmo na génese dos Jogos desde a Antiguidade.

"Naquela época, e naturalmente também na antiguidade, havia arte e conhecimento em torno do desporto. Porque não podemos esquecer que o desporto, a atividade atlética da Antiguidade, era visto como uma arte. Fazia parte da educação do jovem cidadão antigo, ateniense ou não. Fazia então parte da cultura. E nos salões do palácio, havia aulas teóricas. Foi a primeira universidade do seu tempo e, por isso, andou sempre de mãos dadas com o cultivo da mente. E o desporto antigo era praticado dentro de um quadro religioso. Não era de modo algum um espetáculo como nos tempos modernos. É preciso dizer também que, de facto, foi a arte antiga que alimentou toda a iconografia e invenção do gesto e do atleta. Desde as imagens estáticas, cartazes, postais e selos que se produziam até à atividade do atleta nos estádios, que eram copiados de imagens antigas", explicou.

Para organizar estes Jogos Modernos, o comité olímpico embrionário emitiu uma série de selos - algo essencial para a troca de cartas na época - e muitos são actualmente mostrados no Louvre, assim como objectos da colecção grega do museu, também o cartaz original de 1896 e a emblemática Taça Bréal, que foi oferto ao primeiro vencedor da maratona.

"Não podemos deixar de falar da famosa Taça Bréal, uma das jóias desta exposição em Paris. Esta taça de prata foi doada pelo filólogo e linguista Michel Bréal, que a doou para a primeira edição da maratona em Atenas, sendo que foi uma prova que ele próprio inventou. Esta taça foi entregue então em Atenas, em 1896, ao primeiro vencedor da maratona, Spiridon Louis. É uma taça que foi emprestada à nossa exposição pela Fundação Stavros, que é atualmente a proprietária desta taça e que é normalmente exposta em Atenas. Por isso, é sem dúvida muito emocionante poder expor esta taça pela primeira vez em Paris, 130 anos depois de a ideia ter sido concebida por Michel Bréal", declarou.

Uma curiosidade para os visitantes é a origem da prova da maratona. Até aos Jogos modernos, esta nunca foi uma prova que fizesse parte das Olimpíadas. Esta prova foi, na verdade, inventada por Michel Bréal inspirada no mito da batalha de Maratona entre gregos e persas em que o soldado Fidípides foi enviado a Atenas pelos seus generais para anunciar a vitória do seu exército. Após ter corrido 42 quilometros, caiu morto após ter declarado a vitória. Um mito que fez nascer a prova rainha dos Jogos Olímpicos.

"Um capítulo divertido, é todo o entusiasmo que houve na criação da corrida de maratona em Atenas, porque temos de perceber que esta foi uma disciplina inventada e para a qual normalmente não havia público. Assim, graças a uma série de artigos de imprensa escritos por Spiridon Lambros, a ideia foi apresentada aos gregos. E, sem mais nem menos, tiveram muito sucesso, permitido ter um estádio cheio de pessoas completamente apaixonadas e que criaram a primeira plateia para a maratona. E agora é uma corrida de sucesso. Hoje em dia, milhões de pessoas em todo o mundo correm maratonas. E esta ideia foi concebida por um filólogo que estudava fontes antigas e que não era de todo desportista. Por isso, na minha opinião, a fotografia de Bréal que mostramos aqui na exposição, um pequeno retrato onde se vê um velhinho debruçado sobre os seus livros, é muito significativa. Pensar que este homem, que nunca tinha praticado qualquer desporto, concebeu uma disciplina que hoje nos fascina, e que se tornou rainha dos Jogos Olímpicos. É comovente explicar esta história e apresentá-la em Paris, porque é uma ideia parisiense", concluiu.

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